Leopoldo Pacheco e Melissa Vettore em “Camille e Rodin”: estreia no Teatro Maison de France (Foto: Alexandre Catn)
Foram onze meses de casa lotada no Grande Auditório do Masp, entre junho de 2012 e maio de 2013. Logo a seguir, sete cidades do interior paulista e, na sequência, Vitória, Porto Alegre, Recife, Belém e Manaus. Protagonizado por Melissa Vettore e Leopoldo Pacheco, o drama Camille e Rodin foi visto por mais de 50.000 espectadores e, no dia 14 de março, estreia no Rio de Janeiro para uma temporada de um mês no Teatro Maison de France, na Avenida Presidente Antônio Carlos, 58, no Centro. As sessões serão nas quintas e sextas, às 20h, sábados, às 21h, e domingos, às 19h, com ingressos a R$ 40,00 e R$ 60,00. Escrito por Franz Keppler e dirigido por Elias Andreato, o espetáculo mostra o relacionamento de quinze anos entre o escultor Auguste Rodin (1840-1917) e sua discípula Camille Claudel (1864-1943). Recém-chegada a Paris, a jovem Camille torna-se amante de Rodin. A intuição dela e o apuro técnico dele criam um embate artístico e pessoal, marcado pelo vácuo geracional, pela competitividade e principalmente pelas diferenças na visão do amor.
Uma programação paralela será realizado no teatro.
14/3, às 20h: abertura da exposição Corpos Esculpidos, pelo fotógrafo Alexandre Catan. Apresentação da trilha executada ao vivo por violino, cello e piano. Participação do compositor e pianista Jonatan Harold.
24/3, às 18h: exibição do filme Camille Claudel, de Bruno Nuytten, com Isabelle Adjani e Gérard Depardieu.
24/3: às 20h30: exibição do filme Camille Claudel, 1915, de Bruno Dummont, com Juliette Binoche.
29/3, às 22h30: debate com público e os atores.
Leia aqui crítica publicada logo depois da estreia.
Clara Carvalho: “sou uma artesã” (Foto: Ronaldo Gutierrez)
Em tempos passados, longe das revistas de celebridades e das mídias sociais, o anonimato servia de trunfo para o ator. Quanto menos o público soubesse de sua vida privada, mais facilmente compraria a transformação no novo personagem. A atriz Clara Carvalho, de 53 anos, é uma presença constante na cena paulista há quase três décadas e pode ser vista atualmente em duas montagens, Dançando em Lúnassa e Ou Você Poderia Me Beijar. Carioca radicada em São Paulo desde 1987, Clara é um das atrizes-chaves do Grupo Tapa, ao lado de Denise Weinberg, e comprova isso até hoje em montagens dirigidas por Eduardo Tolentino de Araújo. Também tem sido comandada frequentemente por vários outros encenadores e faz traduções do inglês e francês para comédias de sucesso. Além disso, ela participou de apenas dois filmes e quase nada de televisão. E ficamos por aí… Eu não sabia nada mais sobre Clara Carvalho. Nessa — longa — entrevista, eu descobri algumas coisas e, agora, compartilho com vocês. Vamos lá, Clara?
A sua iniciação artística veio com o balé. Nada muito diferente da de grande parte das meninas de classe média da sua geração, não?
Nasci em Copacabana, morei na Avenida Atlântica e depois em Ipanema. Tive uma formação das meninas de classe média carioca mesmo. Cursei inglês e francês. Estudei no Colégio Santo Inácio e me formei em Letras e Literatura na PUC. Comecei a fazer balé aos 11 anos, com Dalal Achcar. Foi aí que descobri a paixão, a disciplina e comecei a me situar como ser humano. Aos 16 anos, eu ingressei no Ballet do Rio de Janeiro. Dois anos depois, eu já tinha DRT de artista e uma rotina puxada, conciliando ensaios com faculdade. Aos 20, fiz concurso e entrei para o corpo de baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, de onde saí logo depois para me casar. Eu tinha 22 anos, foi um casamento tradicional, mas não deu certo. Cheguei a dar aula de balé para crianças e a dar aulas de português na própria PUC, mas abandonei tudo isso ao começar a fazer teatro. Tinha 26 anos.
Que impacto isto teve para você?
Posso dizer que, na minha vida, a dança e a literatura se transformaram em teatro. Fazer uma personagem é, de certa forma, escrevê-lo no espaço com seu corpo. Vem da intuição, da fantasia, da memória e do treino físico. São criaturas que você cria que têm corpo, voz, movimento, interagem com outras criaturas. Com o tempo, o ator vai formando uma galeria pessoal de criações, ainda que depois se desfaçam no ar, como dizia o Shakespeare. Nessa transição, saindo da dança e das aulas na universidade para o teatro, no Rio de Janeiro, passei a frequentar um curso noturno no Tablado, com a Louise Cardoso e o Carlos Wilson. Em 1985, fiz um workshop de verão na CAL (Casa de Artes de Laranjeiras), onde conheci o Eduardo Tolentino de Araújo, que me convidou para ingressar no Grupo Tapa. Foi uma afinidade imediata. Eu senti que o Tapa fazia o tipo de teatro de repertório que me interessava, com um treinamento e uma pesquisa sérios, nos moldes de uma companhia mesmo. Eu queria pertencer a um conjunto em que eu pudesse me desenvolver, em que houvesse algum planejamento, sem precisar ficar pulando de um lugar para o outro.
Conta um pouco mais do início da sua história com o Eduardo Tolentino de Araújo e a Denise Weinberg, seus grandes parceiros no Tapa…
Antes de fazer teatro, eu não conhecia o Eduardo e a Denise, apesar de eles também terem estudado na PUC mais ou menos na mesma época que eu. Já tinha visto o trabalho do Eduardo como diretor em Viúva, Porém Honesta, do Nelson Rodrigues. A Denise e o Eduardo já trabalhavam juntos, desde o teatro amador na faculdade. E eu tinha me impressionado com a Denise numa linda montagem de Tio Vânia feita pelo Teatro dos Quatro. Era um trabalho deslumbrante dela como a personagem Sônia. Aquele monólogo final feito por ela era um arraso. Eu me lembro até hoje. Mas eu conheci o Eduardo mesmo naquele workshop da CAL. Logo, comecei a frequentar os estudos do Tapa, que aconteciam no playground do prédio de um dos integrantes do grupo naquela época.
Denise Weinberg e Clara Carvalho em “Dançando em Lúnassa”: parceria de quase três décadas (Fotos: João Caldas)
Como se dá essa mudança para São Paulo? Sei que houve a possibilidade de ocupar o Aliança Francesa, o mercado de teatro em São Paulo devia ser mais interessante, mas o que te trouxe realmente para a cidade?
Quando o Eduardo me convidou para entrar no elenco de O Tempo e os Conways em 1986, iniciando a ocupação do Teatro Aliança Francesa, eu nem pestanejei. Topei na hora. Eu sabia que essa aventura ia ser essencial, transformadora na minha vida e foi mesmo. O que me trouxe para São Paulo foi a possibilidade de fazer um trabalho continuado e intensivo. E o fato de existir um núcleo que queria a mesma coisa que eu naquele momento foi essencial. O Tapa veio para São Paulo quase que numa migração de Arca de Noé. Fomos morar num hotel em São Bernardo do Campo. Depois, dividimos todos juntos por meses um apartamento no Largo Santa Ifigênia. Nossa, foi tanta aventura. São Paulo me acolheu. Fiz grandes amigos e nasci mesmo como artista e artesã de teatro. Porque acho que é isso que eu sou. Sou uma artesã do teatro. O Rio era, e acho que continua sendo, uma cidade centrada na televisão. O teatro – com exceção de algumas companhias incríveis, como a Cia. dos Atores – têm menos suporte, há menos grupos estáveis, com projetos continuados. O movimento lá é menor, não existe, por exemplo, uma rede Sesc com o tamanho e a força que tem aqui.
Mas, claro, havia uma mudança de vida vinculada a essa história… Não era só trabalho. Sua família ficaria no Rio, por exemplo…
Não foi fácil. Nunca é. Meus pais ficaram preocupadíssimos, foram contra, mas era um movimento muito forte dentro de mim e eu banquei. Nessa vinda, eu me casei com outro ator do Tapa, o Brian Penido Ross, e tive minha filha, a Helena. Hoje, ela tem 22 anos, acabou de se formar em jornalismo pela Cásper Líbero e ingressou numa especialização em História na USP. A vida aconteceu por aqui e foi seguindo. Estou casada há 13 anos com o advogado Carlos Mendes Pinheiro Jr., que já se acostumou com meus horários malucos, acompanha tudo que faço e torce por mim.
Em Dançando em Lúnassa, você volta a trabalhar com Denise. Qual é a vantagem e a desvantagem de reencontrá-la em cena?
A gente brinca que somos irmãs no teatro. Denise é uma pessoa com quem tenho cumplicidade total, que me emociona sempre. Ano passado, nós fizemos juntas Isso é o que ela Pensa, do Alan Ayckbourn. Quero reencontrar a Denise em cena pelo resto da vida. Nunca fica confortável, somos malucas demais para isso. Ficamos muito tempo sem fazer peça juntas. Tenho trabalhado com outros grupos. Engraçado, até hoje, quando estou com a Denise no palco, a sensação que tive com a Sônia que a vi fazer naquele Tio Vânia está presente. É uma referência de qualidade para mim. Com a Sandra Corveloni também tenho essa intimidade. Ana Lúcia Torre é uma outra parceira que sempre reencontro. Há uns três anos, ela me encomendou uma tradução.
“Dançando em Lúnassa”: cartaz do Viga Espaço Cênico quartas e quintas
E nessa ponte de reencontros vem Ou Você Poderia me Beijar, dirigido pelo Zé Henrique de Paula, que foi seu colega no Tapa, não?
Puxa, quantas coisas vão acontecendo na vida da gente. Uma direção incrível do Zé Henrique de Paula. Eu o conheci na época em que ele era ator (aliás, excelente) no espetáculo Camaradagem. Um tipo de trabalho como esse do Núcleo Experimental, que é de um capricho, de um requinte, eu não imagino como poderia ser desenvolvido no Rio, onde é muito mais difícil manter o foco num aprimoramento de longo prazo. Quero muito fazer outras coisas ainda com o Zé.
No cinema você só fez O Maior Amor do Mundo, do Cacá Diegues, e Quanto Vale ou É Por Quilo?, do Sérgio Bianchi. Faltou convite ou vontade?
Eu só participei desses dois filmes mesmo, além de vários curtas experimentais. Fiz também alguns testes para outros longas, mas acabei não sendo selecionada.
E televisão? Você tem tipo físico perfeito para a televisão. Não acredito que nunca tenha tido convites.
Em televisão, nunca participei de uma novela ou minissérie. Na verdade, nunca fiz nem teste para novela. Para não dizer que sou virgem de televisão, participei de um episódio do seriado 9 mm: São Paulo, produzido pela Moonshot, e também do seriado Descolados, para a MTV. Nunca pintaram convites e eu também, verdade seja dita, nunca corri atrás. Quando acontecer um trabalho bacana em televisão na minha vida, vai ser bom, porque é uma coisa que tem muita visibilidade e remunera bem. Sabe, é como dizem, quando essa sorte chegar, vai me encontrar trabalhando.
No Núcleo Experimental: Clara, Marco Antônio Pâmio e Rodrigo Caetano em “Ou Você Poderia me Beijar” (Foto: Ronaldo Gutierrez)
Quais são os prós e os contras de ser uma atriz essencialmente de teatro?
Engraçado, acho que minha busca essencial sempre foi pela cena, pelo teatro mesmo. Sou apaixonada pelo ritual, é uma coisa que eu carrego desde criança. Quando não estou fazendo, pelo menos uma vez por semana eu vou assistir, eu gosto de assistir a tudo que posso. Aquele momento em que a luz da sala se apaga e algo mágico pode começar a acontecer não tem preço. Eu fiz pouco cinema e quase nada de televisão, como já disse. Se pintar, vai acrescentar. Eu quero fazer, mas não vai mudar o que é essencial na minha vida. Eu faço dublagem, que é um trabalho dificílimo, que eu me orgulho muito de fazer e traduzo peças do francês e do inglês. Também dou oficinas de teatro para atores no galpão do Tapa duas vezes por semana. Estamos pesquisando Tio Vânia e As Três Irmãs, do Tchecov, até o fim do ano.
O que vale para a tradutora o fato de você ser uma atriz experiente?
Eu trabalho bastante como peças inglesas e francesas. Sempre gostei de traduzir e, afinal, sou formada em literatura francesa e inglesa. Minhas primeiras traduções foram para o Tapa. O Eduardo sempre me confiou textos difíceis. Os resultados foram bons. Depois vieram encomendas do Alexandre Reinecke, do Giuliano Ricca e do Tubaldini Jr. Um deles é o Toc Toc, que está em cartaz há seis anos. Em breve, deve ser montado um texto engraçadíssimo, todo em versos que eu traduzi, chamado La Bête. Um trabalho enorme. Vai ser chamado de A Besta. Também em 2014, um volume com três peças do Tennessee Williams que eu traduzi para a É Editorial chega às livrarias. Como eu sou atriz, sei bem o horror que é uma tradução empolada, postiça, que atrapalha o ator. Então eu falo, experimento. Coloco o texto na minha boca quando escrevo. O público fica desinteressado, se cansa quando as construções de frase soam artificiais.
Existe hoje um crescente desinteresse dos jovens pelo teatro. Como percebe esse interesse por parte de sua filha e dos amigos dela? E o que você acha que poderia ser feito para que os jovens voltassem a se interessar por teatro? Se é que algum dia os jovens se interessaram de fato…
É, a gente tem essa sensação de que as pessoas se interessam menos. O que eu acho é que existem mais complicadores: TV a cabo, um trânsito cada vez pior, essa coisa gigantesca que é a escravidão à televisão que existe no Brasil. Quando eu vim pra São Paulo, a gente fazia sessão de quarta a domingo, e duas no sábado. Isso era 1986, 1987. Depois acabou a sessão de quarta. Logo, acabou a de quinta e, agora, a peça que não é alternativa faz três sessões por semana. Assim, terça e quarta tem outro espetáculo no teatro. Quinta, outro. Daqui a pouco, as peças “mainstream” serão realizadas somente aos sábados e domingos. Os amigos da minha filha sempre vêm ver meus espetáculos e, em geral, gostam quando vão, mas não se mobilizam para ir ao teatro. Aliás, nem vão mais ao cinema, vêm tudo no Netflix, no computador acoplado à televisão. O entretenimento se pulverizou em mil mídias portáteis. O Orson Welles dizia, sei lá, há uns 60 anos que o teatro era “um maravilhoso anacronismo”. Talvez seja mesmo. E talvez aí esteja sua força. Temos que fazer espetáculos caprichados, essenciais.
Confira em vídeo cenas do espetáculo Ou Você Poderia me Beijar
Na sala de ensaios de “Meu Deus!”: Pedro Carvalho, Irene Ravache, Dan Stulbach e Elias Andreato (Foto: João Caldas)
Em um belo dia, um homem desesperado (interpretado por Dan Stulbach) entra no consultório da psicóloga Ana (papel de Irene Ravache). Profundamente deprimido, ele pensa em acabar com a própria vida, mas esse ato virá seguido de uma consequência extrema. Toda a humanidade será sacrificada, afinal ele é Deus. Isso mesmo, o Todo-Poderoso. Com esse espirituoso ponto de partida, a comédia Meu Deus!, escrita pela israelense Anat Gov, ganha a primeira versão brasileira. Sob a direção de Elias Andreato, a montagem estreia em 28 de março no Teatro Faap para uma temporada que será realizada nas sextas, às 21h30, nos sábados, às 19h e 21h30, e nos domingos, às 18h. Os ingressos, entre R$ 60,00 e R$ 80,00, começam a ser vendidos nesta sexta-feira (21).
Atriz representativa, Irene está afastada dos palcos desde A Reserva, texto de Marta Góes, montado entre 2008 e 2009. Depois disso, ela ficou dedicada às novelas Passione e Guerra dos Sexos. Dan, que atualmente dirige Maria Fernanda Cândido e Reynaldo Gianecchini em A Toca do Coelho, participou da comédia Os 39 Degraus, encenada por Alexandre Reinecke em 2010. O elenco é completado pelo jovem ator Pedro Carvalho, que interpreta o filho da personagem Ana.
O elenco dirigido por Eduardo Tolentino de Araújo em “Doze Homens e Uma Sentença” (Foto: Dalton Valério)
Como dizem por aí, “demorô”! Em novembro de 2010, Doze Homens e Uma Sentença estreou no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, e teve início uma trajetória rara de ser vista hoje em dia nos palcos da cidade. Depois de três meses do lançamento, o drama de Reginald Rose dirigido por Eduardo Tolentino de Araújo seguiu para o falecido Teatro Imprensa, onde permaneceu durante cinco meses com casa lotada, inclusive, na segunda e terça do Carnaval de 2011. Ainda passou pelo Tucarena e pelo Cultura Artística Itaim e lá se foram mais de dois anos e meio ininterruptos em São Paulo. O Rio de Janeiro esperou bastante, mas a hora chegou. Doze Homens e Uma Sentença entra em cartaz amanhã, dia 19, no Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil, localizado na Rua 1º de Março, 66. Os doze caras do elenco, na verdade treze, são os atores Genézio de Barros, Norival Rizzo, Babu Santanna, Marcelo Escorel, Henri Pagnoncelli, Mario José Paz, Gustavo Rodrigues, Henrique Cesar, Edmilson de Barros, Xando Graça, Camilo Bevilaqua, Alexandre Mello e Francisco Paz.
Primeira montagem brasileira, o texto já havia originado um filme de sucesso assinado por Sidney Lumet em 1957. A trama mostra uma dúzia de sujeitos encarregados de chegar a um veredicto. O réu foi acusado de assassinar o pai, e a decisão precisa ser unânime para executá-lo ou absolvê-lo. Todo o conflito começa quando um dos doze jurados opta pela dissonância e abala a convicção do grupo, até então decidido pela condenação. A temporada será de quarta a domingo, às 19h30, até 14 de abril, com ingressos a R$ 10,00. Detalhe: a peça não para no Carnaval.
Antunes Filho: dedicação para formar atores (Foto: Bob Sousa)
É difícil falar com Antunes Filho. Primeiro, ele está sempre ocupado, fazendo e pensando mil coisas. Depois, frente a frente, o cara fala sem parar. Mal abre espaço para o interlocutor encaixar uma nova pergunta. Não tem problema e nem precisa. Tudo o que Antunes Filho diz faz sentido e, como bom professor, consegue encaixar seu raciocínio no que o outro quer ouvir. Aos 83 anos, o paulistano José Alves Antunes Filho é um dos maiores diretores brasileiros de todos os tempos. Vivo e de tamanho próximo ao do dele só mesmo Zé Celso Martinez Corrêa. Responsável pela formação de atores há pelo menos três décadas, ele toca com mão de ferro o CPT (Centro de Pesquisas Teatrais), vinculado ao Sesc, desperta paixões enlouquecidas e também muitos desafetos. Com dois espetáculos em cartaz, Toda Nudez Será Castigada e Nossa Cidade, Antunes insiste no teatro porque tem fé e acha que assim, sem nenhum clichê ou demagogia, ajuda a fazer um país melhor. Então, fala Antunes!
O mestre do CPT
“Eu dou a base para o início de carreira de um ator. Tenho cinco meses para começar e desenvolver um trabalho, um conhecimento em relação ao teatro. Meus atores são plantinhas. Boto água para que eles desenvolvam uma vida. E, durante essa vivência, você vai ou não se tornar um ator. Quando eu trabalho com os meninos, eu tento criar um sentimento neles. Eu os preparo para formar uma base. É como se fossem as primeiras aulas de direção para, um dia, eles saírem por aí guiando o próprio carro. Eu penso no que eles vão fazer no futuro. Penso em como vão aplicar essa base daqui uns quinze anos. Não é para ter pressa de nada.”
Vivência
“A arte dramática é muito menos pesada do que se fala. Teatro é tudo. O que funciona no teatro é bom. O que não funciona é ruim, é chato. Os atores precisam de conhecimento e de uma técnica que permita fazer tudo com muito pouco. Dá gosto de ver um grande ator em cena. Não aqueles que apenas passaram pela vivência abstrata. Laura Cardoso é um exemplo. Ela adquiriu uma técnica extraordinária tanto de palco como de vida. Se não fosse isso, Laura não conseguiria fazer tudo o que faz até hoje. Não tem trejeitos, não é nada barroca, leva tudo com uma simplicidade impressionante. Nós trabalhamos duas vezes juntos. Em 1959, eu a conhecia dos corredores da TV Tupi e a chamei para fazer Plantão 21, ao lado do Jardel Filho, que era um ator genial. Em 1993, nos reencontramos em Vereda da Salvação. Laura é exigente, briga. Está certa porque precisa defender o que é dela. Muitas vezes, eu trabalho com gente jovem que não carrega experiência para poder expressar as coisas. Fica complicado.”
Os espectadores de hoje
“Não são apenas os atores que não carregam mais vivência. Hoje, os espectadores também. Vamos pensar nesse momento. Houve uma coisa extraordinária para o Brasil. A classe média aumentou significativamente. Muita gente saiu da pobreza absoluta. Mas e o outro lado? O governo não proporciona acesso à cultura. Eles oferecem o grupo escolar. A escolaridade é boa para você ter educação, claro. Isso educa o homem, mas o torna servil. O nível das nossas faculdades é baixo. Só a cultura e as relações que você faz são capazes de libertar. O Brasil só será grande através da cultura. A formação escolar é ótima, é fundamental para fazer os bons funcionários de amanhã. Mas para ser mais que um bom funcionário você precisa ter cultura. Eu acho que nossa preocupação deve ser estender a mão para o outro. No meu caso, faço teatro para que alguém aprenda alguma coisa. Principalmente para que o público desenvolva o prazer, a alegria da arte. As pessoas precisam descobrir essa transcendência que só o teatro proporciona.”
Diretor: “faço teatro para que alguém aprenda alguma coisa” (Foto: Gui Mohallem)
Fé
“Eu continuo fazendo teatro porque tenho fé. Não me resta outra alternativa. Se eu não tiver fé no teatro, parto para a bandidagem. Posso me relacionar de maneira pecaminosa no meio da cultura. Está cheio de movimentos estranhos por aí. Eu luto pelas coisas em que acredito. Eu mal consigo segurar uma plateia. Eu tento. Os atores também caem nessa. Querem fazer tudo e não fazem nada. É muita porcaria. Muita mistificação. A gente vive um momento de consumo absoluto. A mistificação está em tudo. Acho que nós temos o dever – antes de ser grande artista, bom artista ou médio artista – de estender a mão para o outro. E o Brasil precisa disso.”
O trabalho no Sesc
“Eu sou o cara que mais… O cara que mais trouxe coisas novas no teatro. Eu quero transcender esse objetivo de fazer teatro. Eu quero a arte! Mas não aceito fazer isso só para mim. Eu quero que as pessoas também acompanhem isso. Nunca vou fazer uma coisa só para a minha masturbação. O Sesc veio muito a calhar nesse caso. Preciso ver o outro e pensar no outro. Eu tenho que ter uma vivência para agarrar o outro e ser um pouco responsável por esse outro. Afinal, tenho um compromisso com o Sesc. Eu gosto da arte conceitual. Adoro! Mas não me serve nesse momento. Preciso de coisas que elevem as pessoas. É sacanagem eu me masturbar e fingir que meus espetáculos não importam a mais ninguém.”
O país de hoje
“Eu quero estender a mão para parte do público e, assim, acredito que vamos fazer um país melhor. Está ficando muito perigoso viver. Precisamos deixar de lado um pouco as denúncias e pensar nas resoluções. Mas é preciso tomar cuidado com as resoluções. Não é fazer justiça com as próprias mãos como no Rio de Janeiro. Isso é terrível. Eu penso na arte. Eu quero navegar, sair fora de mim! Quero atingir o sétimo céu! A alienação positiva é importante. Denúncia hoje em dia não. Chega de denúncia! É todo dia no jornal, no rádio, na TV. Ninguém vai ao teatro para ver mais denúncia. Não estou negando a denúncia. Só é preciso viver mais a arte.”
“Eu sou uma besta que chora”
“Quantas pessoas já foram embora do CPT brigadas comigo… Eu não posso prender ninguém aqui. Se ela quer ir embora, vai… Depois, tem gente que volta pedindo desculpas ou me encontra no meio da rua e me abraça. O que mais me incomoda é que eu choro quando isso acontece. Eu sou uma besta que chora. Fico muito comovido quando reencontro essas pessoas. Tem gente que me diz: ‘olha, você salvou a minha vida e me fez perceber tal coisa’. E muita gente seguiu outra profissão. De repente, esse cara faz algo que vai mudar a vida do outro em outra profissão, entende? E isso me dá uma enorme satisfação.”
O resultado
“Eu vejo pessoas que comecei a preparar há muito tempo e acredito que, mais adiante, eles vão chegar lá. A maioria do elenco do espetáculo Nossa Cidade veio de testes do CPTezinho. Eles estão se preparando para se tornarem grandes atores. Mas já têm uma responsabilidade. Estão aqui dia após dia. Precisam vir aos feriados também. Você vai fazendo e aprendendo. O difícil é colocar essa noção de responsabilidade para dentro deles. Essa é a minha luta. O difícil é fazê-los descobrirem os livros, entenderem o bom cinema. O mundo lá fora conspira contra isso. Tudo o que é oferecido hoje em dia é comércio. E eu vou lá: ‘fulano, leia isso, veja aquilo’. No princípio, eles têm muita resistência. Acham os livros difíceis, sentem sono. E recomendo muitos filmes de arte, obras dos grandes diretores. Depois de um tempo, ele gosta e sei que passa só a assistir a esses filmes. Pô, que felicidade! Eles gostam. Só precisam ser educados. Os meninos descobrem um universo que têm dentro e não sabiam. E se uma pessoa descobre isso, meu Deus, já vale um curso inteiro. Imagina se você consegue convencer uns 20. Essa é a maior alegria que tenho. Não é o aplauso, não é ganhar um prêmio. E ver que eles estão se tornando gente.”
Teatro Anchieta: Luiza Lemmertz, Naiene Sanchez e Amanda Mantovani em “Nossa Cidade” (Foto: Emidio Luisi)
Nathalia Timberg: “Saia Já do Foco”, apelo da Revista Antro Positivo (Foto: Patricia Cividanes)
Em cartaz na cidade com Tríptico Samuel Beckett, Nathalia Timberg engrossa o coro de artistas insatisfeitos com o uso de aparelhos eletrônicos durante os espetáculos. A atriz é um dos nomes da segunda etapa da campanha promovida pela revista digital trimestral Antro Positivo, coordenada pelo dramaturgo Ruy Filho e pela designer Patrícia Cividanes. No semestre passado, a chamada atendia pelo nome de Se Preferir, Eu Desligo para Você, que contou o apoio de vários nomes da cena teatral. Desta vez, Saia Já do Foco alerta os inconvenientes que não só o barulho é prejudicial para a apresentação. A luz do celular também compromete a sessão por desviar a atenção do palco para um outro foco na plateia. “O sujeito não percebe que, quando pega o celular em uma sala escura, o foco vai diretamente para ele”, justifica Ruy Filho. Além de Nathalia, Antonio Fagundes, Maria Fernanda Cândido, Otávio Martins, Ricardo Blat, Reynaldo Gianecchini e Juliana Galdino, entre outros, também aderiram ao movimento Saia Já do Foco.
Luiz Fernando Marques, o Lubi: diretor do Grupo XIX de Teatro (Foto: Reprodução)
Criado em 2002, o Grupo XIX de Teatro fincou sede na Vila Maria Zélia dois anos depois e celebra uma década de atividade no local. Em pleno bairro do Belém, a vila de operários fundada em 1917 e tombada pelo Patrimônio Histórico em 1992 passou a ser um singelo cartão-postal da cidade graças à atividade da companhia dirigida por Luiz Fernando Marques, o Lubi. Para comemorar a data, o XIX volta com três de seus espetáculos até 16 de março. Hygiene (drama, 2005, 95min, 16 anos, R$ 30,00), cartaz dos sábados, às 16h, recria o cotidiano dos moradores de cortiços da antiga São Paulo. Aos domingos, no mesmo horário, é a vez da obra-prima Hysteria (drama, 2002, 100min, 14 anos, R$ 30,00), que traz à tona a vida de quatro mulheres internadas em um hospício no século XIX. Trabalho do ano passado, Nada Aconteceu, Tudo Acontece, Tudo Está Acontecendo (120min, 16 anos, grátis) ganha a cena no sábado e domingo, às 18h30, para reler livremente a peça Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, sob a direção de Marques e Janaina Leite. Para quem não sabe, o Armazém XIX fica na Rua Mário Costa, 13, entre as ruas Cachoeira e dos Prazeres, no Belenzinho. Bati um papo com o Luiz Fernando Marques, que fala um pouco do grupo e da importância da Vila Maria Zélia nessa trajetória.
São 10 anos na Vila Maria Zélia. Qual é a importância para o grupo de ter uma sede que não representa apenas um espaço físico, mas um espaço de convivência e diálogo com a cidade e sua história?
Nunca chamamos a Vila de sede. Gostamos de dizer que fazemos uma residência artística ali. Brincamos que a Vila Maria Zélia não é uma sede, é uma questão. Estar na Vila é estar em contato direto com duas realidades. Uma é a memória de tudo que aquele lugar representou e representa no que se refere à habitação no Brasil e outra estar em contato com as questões e os dilemas do habitar hoje em dia. A fricção entre estes dois tempos e colocá-los em sobreposição com nossas atividades é o que nos interessa
Como é a manutenção da sede? Vocês estão permanentemente fomentados ou patrocinados?
Não só nossa residência na Vila como a própria existência do grupo está ligada à Lei de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo. Claro que outros editais e atividades nossas colaboram também com essa manutenção. Mas o fato é que o Fomento é fundamental. Quando circulamos pelo Estado e pelo Brasil, nós percebemos a falta que uma lei com esta faz para a manutenção de coletivos de arte. Fico chocado que Estado e União ainda pensem a arte na lógica do evento.
“Hygiene”: montagem fala dos cortiços paulistanos (Foto: Caetano Gotardo)
Que novas leituras você acredita que os espetáculos Hygiene e Hysteria têm hoje? De certa forma, eu os vejo até mais atuais que há 10 anos, com outras representações sobre habitação popular ou insanidade. Você concorda com isso?
Sim. Fazer estes espetáculos até hoje, e ainda mais pelas suas características interativas, é um privilégio do ponto de vista artístico e de pesquisa. Existe tanto uma mudança da sociedade e da maneira como estes temas estão postos, como também do ponto de vista mais subjetivo. Fazer uma mesma peça doze anos mais velhos também muda muito para nós. Mas tematicamente parece que as questões ali nas peças levantadas continuam aí pairando, nos assombrando como uma alucinação de olhos abertos.
Assistir a um espetáculo na Vila Maria Zélia colabora para uma vivência, como se costuma dizer no teatro. O que a Vila acrescenta ao processo criativo de vocês?
A imersão é parte fundamental da nossa pesquisa, e sim a Vila Maria Zélia nos ajuda muito neste sentido. Mas aquilo que a Vila tem de mais vibrante, que são seus moradores, seus arredores, suas relações com aquele patrimônio e com aquele entorno, também entra no nosso cotidiano e nos influencia muito.
O fato de o grupo estar longe dos circuitos teatrais afasta também um pouco o público ou torna-se um atrativo a mais para quem procura o trabalho de vocês?
Acreditamos que acontecem as duas coisas, mas percebemos que aqueles que perdem o “medo” da primeira visita acabam por se surpreender e perceber que São Paulo tem cantos e encantos que não conhecemos. Ninguém chega à Vila Maria Zélia e não fica pelo menos curioso. Evidenciamos que o ato de ir ao teatro pode ser muito mais do que ter um programa para o fim de tarde. Pode ser uma oportunidade de ter uma experiência que vai além da arte ali encontrada e transborda para questões da nossa relação com a cidade e com o outro.
Se nunca tivesse sido na Vila Maria Zélia, você imagina como o Grupo XIX seria hoje e se isso teria refletido de forma mais profunda na pesquisa de vocês?
Nossa, essa pergunta é bem difícil de responder! O que é fato é que não caímos na Vila Maria Zélia, chegamos até ela de forma muito orgânica com nossa pesquisa. O espaço sempre foi e é algo muito especial para o grupo. Tanto que nas mais de cem cidades que já nos apresentamos, no Brasil e no Exterior, é como que de certa forma sempre buscássemos a “Vila Maria Zélia” daquela cidade. Mas aqui vale dizer que a Vila e o que nos transformou profundamente nestes anos não foi apenas aquela arquitetura/história. Foram também as pessoas que ali vivem. E aqui, se me permite, faço um agradecimento aos nossos vizinhos mais diretos e em especial à Associação Cultural Vila Maria Zélia, nossa parceira desde a primeira hora até hoje.
Juliana Sanches em “Hysteria”: obra-prima do XIX aos domingos (Foto: Adalberto Lima)
Zé Celso Martinez Corrêa: luta para manter o Oficina como ele é (Fotos: Jennifer Glass)
Não tem muito do que falar aqui. O negócio é deixar o cara se expressar. Aos 76 anos, Zé Celso Martinez Corrêa comanda o movimento do seu Teatro Oficina. Não apenas o espaço físico, projetado pela arquiteta Lina Bo Bardi e cravado na Rua Jaceguai, no Bixiga, onde suas peças se arrastam por horas a fio e ainda encantam muita gente. O Teatro Oficina de Zé Celso funciona como uma mentalidade que envolve diretamente nesse momento mais de sessenta pessoas e é símbolo de resistência de uma arte que ele acredita e com essa convicção seduz. Os 55 anos do Oficina estão sendo festejados em livro. Organizado pelo ator e designer Mariano Mattos Martins, Oficina50+, Labirinto da Criação é uma obra visual, praticamente uma instalação em forma de livro, calcada em programas, fotografias, cartazes e matérias de jornais e revista. No palco, ou melhor, na pista do Teatro Oficina, a arte não pode parar. Zé Celso e sua turma revisitam e recriam a vida e o legado de Cacilda Becker em dois espetáculos. Cacilda!!! Glória no TBC e 68 AquiAgora ganha exibição nos sábados, às 18h. Aos domingos, no mesmo horário, é a vez de Cacilda!!!! A Fábrica de Cinema & Teatro. As duas montagens – independentes, mas complementares – têm direção musical de Felipe Botelho. Camila Mota e Sylvia Prado, Nash Laila e Marcelo Drummond se revelam na pele da grande estrela brasileira. Mas, enfim, tudo isso são detalhes. O que importa é deixar Zé Celso se expressar. E agora, Zé?
São 55 anos de Teatro Oficina. Qual foi o momento mais difícil nessa trajetória?
O momento mais difícil é agora! Quando o Teatro Oficina e seu entorno foram tombados pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional) em 2010, o Silvio Santos me disse em sua casa o seguinte… Já que ele não poderia fazer mais nada com seu terreno no quarteirão que cerca o Oficina, por causa do tombamento federal, ele também não queria mais nos empatar e nem ser empatado. Propôs então a troca por outro terreno do mesmo valor em São Paulo. Enviou a seguir uma carta oficial através de um executivo do Grupo Silvio Santos, o Guilherme Stolliar, propondo esta troca. Encaminhamos a carta ao Ministério da Cultura. A ministra Marta Suplicy assumiu a busca de um terreno da União do mesmo valor – encontrou. Silvio nos concedeu desde então um contrato de comodato de ocupação do terreno. Fizemos numa tenda para 2000 pessoas, As Dionizíacas de 2010. Lá, encenamos os espetáculos Taniko – um Nô Japonês, Bacantes, O Banquete e Cacilda!! Estrela Brazyleira a Vagar. Montamos lá também a encenação do Manifesto Antropófago, de Oswald de Andrade, num circo. Enfim, temos ocupado até hoje esse terreno vizinho ao Oficina com parte da encenação de Acordes, de Brecht e Paul Hindemith, e das Cacildas. Além disso, temos cultivado o espaço inspirados na PermaAgricultura dos Índios do Brasil. Mas, este ano, o responsável no Grupo Silvio Santos para tratar de seus assuntos imobiliários apresentou, sem assinaturas dos representantes legais do Grupo SS, um distrato do comodato que Silvio Santos nos concedeu enquanto se opera a troca do seu terreno com a União. Eu me recusei a assinar um documento sem a assinatura de Silvio Santos. O responsável, então, ameaça nos processar. Logo, o momento mais difícil é agora.
Essa questão se arrasta há quase quinze anos e parece não ter fim, não?
A política invasiva da especulação imobiliária exerce sua ditadura sobre o Governo do Estado de São Paulo, através de um órgão, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo. Eles deram uma de Pastor Feliciano, sabe? Inverteu sua razão de ser e aprovou o Projeto de Construção de Torres no Entorno do Oficina. Essa obra simplesmente fecha a entrada do sol e a fachada oeste dessa obra-prima da arquitetura e do urbanismo. Trata-se de um janelão que Lina Bo Bardi abriu para a cidade, assim como Vão Livre do Masp. A construção das torres também ameaça a Árvore Cezalpina plantada por ela, como em sua casa no Morumbi. Ela nasce no Jardim do Oficina e abre sua copa no terreno vizinho. É a árvore sagrada do Terreiro Eletrônico do Teatro Oficina. Lina, desde 1980, projetou um Teatro de Estádio. Edson Elito e nós, do Oficina Uzyna Uzona, fomos criando a Universidade Antropófaga e, com muitos arquitetos urbanistas do Brasil e com os que aqui vieram para a Bienal de Arquitetura do ano passado, o aperfeiçoamos com o que chamamos Oficina de Florestas: a extensão de uma belíssima Alameda Pomar deixada pelo Grupo Silvio Santos para o reflorestamento de todo bairro do Bixiga. Há 33 anos, nós lutamos por essas terras que sagramos com nosso cultivo teatral e agora, também, criando a área verde. Há mais de 55 anos estamos na Rua Jaceguai, 520, e criamos não somente uma revolução no teatro brasileiro e mundial, como cuidamos da obra-prima de valor financeiro incomensurável dessa artista, que hoje o mundo todo saúda por sua arquitetura inspirada na “arqueologia urbana”. Na devastação geral que nossa cidade enfrenta, neste último terreno vazio da periferia central do bairro do Bixiga, não podemos deixar acontecer isso.
Camila Motta e Zé Celso na série “Cacilda!”: a arte de Cacilda Becker em quatro versões
Você realiza a proeza de ainda hoje ser mentor de um grupo que representa de fato uma comunidade teatral, no sentido mais puro da palavra, com ideias próprias e uma postura de aparentemente autonomia. É isso que te mantem ativo e incansável?
Com nossos 55 anos de atividade, sempre vibrando para o mundo todo com nossa arte, criamos, com o que Cacilda Becker chamava de “classe teatral”,um valor novo para o teatro. Dos anos 40 aos 60, isso foi sendo plantado aqui em SamPã e, sobretudo, no Bixiga. Mesmo durante a ditadura militar, por sua luta heróica, o teatro teve importância enorme em sua posterior queda. Com a mudança da ditadura militar para a ditadura financeira, o teatro foi relegado ao ostracismo, vingando somente um teatro cover do hemisfério norte, hoje em total decadência, mas que aqui é o instrumento mercadológico dos artistas commodities de televisão. Mas o Oficina Uzyna Uzona, com toda OficinaFobia, reconstruiu de seu DNA dos anos 60 uma companhia produtiva e valorizadora dessa arte arcaica e sempre contemporânea, como espetáculos como Ham-let, Bacantes, Os Sertões, Macumba Antropófaga e, agora, a série Cacildas!!!!!!!!! comprovam.
Se você pudesse eleger um momento de sua vida profissional, eu pergunto… Qual é a maior transgressão que Zé Celso já fez no teatro?
Fazer esta arte do Etherno Aqui Agora sempre inspirado na revolução antropófaga de Oswald de Andrade a partir da encenação de O Rei da Vela, que fizemos em 1967.Foi o Teatro Oficina também quem trouxe de volta, depois de milênios, a presença do coro no espetáculo Roda Viva. de 1968. O retorno à antropofagia de Oswald de Andrade plugou nossa geração na Tropicália. Desde então, uma cultura branca, sobretudo no teatro, foi devorada pelos rituais indígenas, africanos, candomblaicos, pela Rádio Nacional, pela cultura pop mundial e virou do avesso a cultura teatral do hemisfério norte. Isso tudo trouxe a descolonização e a universalização das culturas do sul da Terra, antropofagiando-se. O superego colonial foi pra picas, mas hoje, com a ditadura do mercado, reimpôs-se para o rebanho a cultura decadentérrima do rebanho cafona do hemisfério norte. Nós, mais que nunca, estamos engolindo com a revolução da net e com nossos corpos de índios arcaicos mundiais tecnizados essa sociedade do espetáculo das caras e bocas a alto custo.
Como você enxerga esse momento do Brasil em que a violência contra as manifestações populares e a homofobia voltaram a fazer parte da nossa rotina?
Retornarmos francamente ao teatro e à antropofagia com muito mais sabedoria, como a das sessenta pessoas que criam e produzem no Oficina UzynaUzona – e das inúmeras, valiosíssimas companhias de teatro que criam em equipe. Retornarmos à reinvenção dos coletivos repovoando a cidade de novas maneiras de ser, à roça da infraestrutura da vida, a cultura, sem se deixar levar pelas máscaras insuportáveis dos que vivem no rebanho escravizado do fim do Terror e Misérias do Fim do Capitalismo, que quer agora levar a Terra junto com seu suicídio. Todo mundo sente. Sente muito. Todos, de todas as classes e etnias, sentem a Terra sendo estraçalhada. A vida está caríssima e absurda por causa do luxo brega dos bilionários. A cidade infarta pela poluição e o seu trânsito, que este ano começa já pondo no mercado uma quantidade de carros maior que todos os tempos. É o Gran Finale! E na arte mais desprezada, o teatro se reconhece novamente o que é ser um corpo/quântico/alma/vivo/livre: um território onde cada um pode decretar sua emancipação da escravidão dos Carandirus de luxo, esses condomínios fechados, do lixo cultural ordinário mercantil, da comida com gosto de inseticida, de não aceitar o outro como ele é.
Qual foi a maior alegria que o teatro te deu?
Às vezes, a condenação, a falta de estímulo financeiro que se dá ao teatro enche o nosso saco. Ou melhor, esvazia nosso saco e nos condena a trabalhar nos nossos limites, que sempre superamos na precariedade radical. A maior alegria que sinto agora é estar sempre em cena, como nunca deixei de estar. Mas custa muito caro fazer o que se gosta. O prazer, o gosto, ainda não foram descobertos como as maiores fontes de riqueza. Nosso valor é ignorado pelos boçais que não nos sacam, apoiados pelos políticos sem talento. Eles, através das burocracias e lobbys, estão querendo transformar tudo na abstração chamada cálculo financeiro, criando um simulacro de vida através do que significa não perceber a natureza, que estão querendo substituir por abstrações e fantasmas. Os índios são hoje a nossa vanguarda. Eles sabem viver de acordo com o que Darwin descobriu muito depois deles – e que Flávio de Carvalho confirmou: somos originários dos deuses aquáticos, animais, vegetais, minerais. Mas a maioria não vive o aqui e agora, neste estar entre o pré humano e o trans humano, com todo o inverso do universo em permanente mutação pulsante nesta Terra. Este é o ser vivo, de onde viemos e pra onde vamos retornar, sem ficar esperando Messias.
De mudança: Claudia e Homem de Mello em “Crazy for You” (Foto: Ali Karakas)
Depois do sucesso de Cabaret (2011/2012), Claudia Raia e Jarbas Homem de Mello reafirmaram a afinada parceria no musical Crazy for You, que pode ser visto até 7 de fevereiro no Teatro do Complexo Ohtake Cultural, em Pinheiros. Por lá, foram aplaudidos por 26.000 espectadores. Como a sala precisa ser liberada para a reta final do ensaios de Jesus Cristo Superstar, que estreia em 14 março, a produção de Claudia não vai se fazer de rogada e largar o batente. No sábado, dia 15 de fevereiro, eles já voltam à cena no Teatro Bradesco, no Bourbon Shopping. A temporada por lá será nas sextas, às 21h, aos sábados, às 17h e às 21h, e aos domingos, às 18h, com ingressos entre R$ 50,00 e R$ 200,00, até 30 de março.
Adaptado por Miguel Falabella e dirigida por José Possi Neto, o musical de Ken Ludwin mostra-se um deleite para quem busca um programa leve. Na trama, o playboy e dançarino frustrado Bobby Child (papel de Jarbas Homem de Mello) é enviado a uma cidade interiorana com a missão de cobrar uma dívida referente ao teatro local. Lá, ele se apaixona pela esquisitona Polly (vivida por Claudia) e tem a ideia de criar um espetáculo para salvar o lugar da falência. Um divertido jogo de erros se estabelece, e o resto fica por conta do carisma de Claudia e, principalmente, da versatilidade de Mello. Talentoso bailarino, ele se revela ainda um comediante de mão-cheia. No elenco aparecem Marcos Tumura, Liane Maya, Jonathas Joba e outros atores, além de catorze músicos, que dão o eficiente suporte para a execução das melodias de George Gershwin vertidas por Falabella para o português.
Aldine Müller: reestreia de “Virgem aos 40.com” no Teatro Zanoni Ferrite (Fotos: Márcia Freitas e Erick Pellegrini)
Na cena final de O Bem Dotado – O Homem de Itu (1978), o macho alfa Nuno Leal Maia sentenciava: “ela também é de Itu!”. E disso ninguém mais teve dúvida. Aldine Müller se tornou ainda em meados dos 70 uma das musas da pornochanchada e, logo, do nosso cinema. Não precisa listar alguns dos mais de cinquenta filmes dos quais ela participou – até porque os títulos não traduzem muita coisa e, vez por outra, alegram as madrugadas do Canal Brasil. A atriz gaúcha já fez 60 anos e nem parece. “Estou cuidando muito bem do corpinho de 60 para ter um aspecto de 30”, diz ela, divertindo-se. Até porque, no palco, Aldine precisa convencer de que tem 40.
Em idas e vindas, a comédia Virgem aos 40.com está por aí há mais de três anos. Na sexta (7), mais uma temporada se inicia, desta vez no Teatro Zanoni Ferrite, na Vila Formosa, com sessões nas sextas e sábados, às 20h, e aos domingos, às 19h. Os ingressos saem por R$ 10,00. Na trama, uma mulher contrata um acompanhante (interpretado por Rafael Fernandes) para a comemoração de seu aniversário e, na festa, claro… Ela quer perder a virgindade. Enfim, Aldine tem coisas bem interessantes para nos falar. Então vamos lá!
As pessoas vão ao teatro para ver uma peça com a estrela da pornochanchada ou seu nome vem em segundo plano?
Eu acredito que o público vai mesmo ao teatro para gargalhar com uma comédia, e essa hora de lazer a gente oferece. Mas para falar a verdade, acho que muita gente quer mesmo é ver se ainda dou um caldo (risos).
O seu público é basicamente masculino?
A plateia é bem heterogênea, tem gente de todas as idades. Já vi grupo de idosos, molecada de colégio e muitos casais. O retorno é bacana. Já estou no meu quarto perfil em redes sociais. Surgem lá espectadores antigos, que me viram em filmes e novelas, mas esse número cresceu muito com a peça. Tenho um público masculino grande entre 40 e 60 anos. O me deixa mais feliz ainda é que sou bem tratada pelas mulheres deles (risos). E isso não deve ser porque elas sentem ciúme.
E existe alguma cantada ou proposta indecente por parte dos fãs?
De vez em quando até rola um tipo de gracinha no camarim, alguma brincadeira mais indiscreta, mas acontece que meu namorado está sempre por perto. Brinco que ele é nosso segurança (risos). A maioria é muito gentil. Alguns falam: “ontem, eu vi um filme seu no Canal Brasil”. Eu só respondo: “opa!”. Às vezes, eu vejo alguns dos meus filmes e penso que eram umas porcarias, que poderiam ter sido muito melhores, mas eles eram assim e ponto.
No palco: Rafael Fernandes e Aldine Müller em “Virgem aos 40.com” (Foto: Moyses Pazianotto)
Como você chegou até a Boca do Lixo?
Eu já era modelo em Caxias do Sul (RS) e mudei para São Paulo com o sonho de ser atriz. Fui trabalhar na TV Tupi e surgiu o convite para o cinema. Eu cheguei na Boca pensando que estava em Hollywood. Claro que levei um susto. Não tinha nada do glamour que imaginava na minha ingenuidade.
Muitas de suas colegas criticam a Boca do Lixo e, inclusive, renegam os filmes que fizeram. Existem arrependimentos?
Eu sempre fiz as coisas com muito cuidado, sempre fui metida a ser diretora. Nunca deixei uma câmera me filmar de frente se estava de perna aberta, por exemplo. A câmera me pegava mais de costas. Sei que tem gente que fez coisas bem pesadas e entendo o arrependimento de algumas colegas. O meu filho cresceu nos sets da Boca. Quando fiz PLAYBOY, ele foi escolher as fotos comigo. Até meus netos já viram alguns dos meus filmes. Nunca fiz nada de errado.
Se pudesse voltar no tempo, aceitaria ser uma atriz da Boca?
Como diz a música do Gonzaguinha, “começaria tudo outra vez, se preciso fosse, meu amor, a chama no meu peito ainda queima, saiba, nada foi em vão”. Foi através do meu trabalho que construí a minha vida. Deu para comprar o meu apartamento, onde moro, na Avenida Paulista. Vivo de forma simples, mas bem. Tive uma formação que me fez entender que não preciso do vestido mais caro da loja mais sofisticada. Talvez não tenha conseguido dar mais atenção ao meu filho. Tenho dúvidas se o eduquei bem. Poderia ter sido uma mãe melhor, mais presente, mas tudo bem. Hoje, ele tem 42 anos, me deu três netos. Tenho um neto que está começando a jogar futebol. Imagina… Um dia, posso ser uma velha rica!
Tem contato com suas colegas daquele tempo?
Cada uma seguiu sua vida. Encontrei a Helena Ramos e a Zilda Mayo há uns dois anos em um evento no Museu da Imagem e do Som (MIS) e foi muito prazeroso. A Matilde Mastrangi eu não vejo há muito tempo.
Aldine : “Sylvia Kristel brasileira”, segundo Antonio Galante
Você foi símbolo sexual de um país mais libertário e com exigências diferentes. Como você enxerga esse culto em torno da beleza e as mulheres obcecadas em plásticas e exercícios para manter a forma?
Convivo bastante com mulheres e percebo que existe uma competição entre elas em qualquer lugar. Eu sempre me pergunto: será que a mulher cuida tanto de si para elas mesmas ou para os outros? A mulher é um ser muito ególatra. Gosto de academia e faço ioga. Devemos nos cuidar e manter mente e corpo sãos, claro. Adoro receber elogios, mas, antes de qualquer coisa, eu preciso me sentir bem. O mais importante de tudo é cuidar da espiritualidade. Sou uma mulher rezadeira.
Entre as estrelas da pornochanchada, você é das poucas que continua em atividade como atriz. É persistência, vocação ou falta de escolha?
Eu já tive um restaurante natural no Itaim, há mais de 20 anos. O que me dá prazer de verdade é estar em cena e produzir. A produção é um trabalho mais burocrático, coisa para mulher-macho, mas eu gosto de ajudar a levantar uma peça. Monto os projetos, batalho patrocínio, escolho pauta nos teatro para meus amigos. Não me queixo com o sucesso que Virgem aos 40.com faz. Temos público e já viajamos pelo interior de São Paulo e algumas cidades do Norte e Nordeste. A peça continua em cartaz mais por amor que pelo dinheiro em si. Para a temporada de 2014, conseguimos um patrocínio. Tem que ser assim para eu continuar trabalhando. Eu não mudaria de profissão. Ainda mais agora, aos 60 anos. Mas tenho outros projetos.
Que tipo de projeto?
Pretendo voltar logo mais para o Rio Grande do Sul, colocar minhas pantufas e ficar diante de uma lareira, tomando um bom vinho. Vou morar em São José dos Ausentes, minha terra. Tenho uma casinha lá. Eu respeito muito a minha profissão, me sinto representada e acho que, além da vocação e persistência, eu tenho sorte. Trabalhei em todas as emissoras. Estive em ótimas novelas na Globo, como Sassaricando e Rainha da Sucata. Há dois anos, fiz uma participação que adorei no filme Dois Coelhos, dirigido por Afonso Poyart. Continuo tendo oportunidades. E isso também é sorte.
Você precisou enfrentar muitos testes do sofá?
Olha, vai parecer babaca falar isso, mas eu nunca precisei encarar o teste do sofá. Eu sempre tive uma cara de gaúcha desamparada, mas quando abria a boca deixava todo mundo com medo da minha faca na bota, como dizem no Rio Grande do Sul. Ouvia falar tanta coisa e até, confesso, pensava: “será que sou tão desinteressante?”. O povo da Boca virou um pouco meu pai, todo mundo me protegia. Eu carregava meu filho para lá e para cá. Eles deviam ter pena de mim. O Antônio Galante (produtor, considerado o Rei da Boca do Lixo) sempre me pagou direitinho. Um dia, ele falou que eu poderia ser a Sylvia Kristel brasileira e resolvi mirar nessa ideia. Eu tive sorte de rapidamente virar uma musa e me tornar conhecida. E quando fui fazer televisão já não era mais uma iniciante. Acho que isso me livrou de passar por esse tipo de teste.
Sua família, no interior do Rio Grande do Sul, aprovava seus filmes?
Na minha santa inocência, eu achava que os filmes nunca chegariam ao conhecimento da minha família. Um dia, meu pai me viu no cinema e disse que nunca mais falaria comigo. Fiquei muito triste. Depois, a Rede Globo me redimiu. Só reatamos de verdade quando meu pai me viu fazendo novelas.
Como é para um símbolo sexual chegar aos 60?
Seria absurdo eu dizer que é a melhor idade. Claro que eu gostaria muito mais de estar com 30 anos. Mas, enfim, esse tempo já passou. Então estou cuidando muito bem do corpinho de 60 para ser ter um aspecto de 30 (risos).
Aldine Müller: projeto de voltar a viver no Rio Grande do Sul
Dirceu Alves Jr. tem 38 anos, é de Porto Alegre e cobre jornalismo cultural desde 1996. Começou a frequentar teatro no fim da década de 80. Crítico de teatro da revista VEJA SÃO PAULO desde 2007, assiste a uma média de quatro peças por semana (são quase 200 por ano) e torce toda vez que entra em uma sala de espetáculos para que o prazer supere o dever de ofício.